1. No dia 22 de junho de 2023, numa conferência do Círculo de Advogados de Contencioso, expus algumas ideias acerca de lucros cessantes em litígios fundados em incumprimento contratual. Aqui ficam algumas delas.
2. Uma sociedade que explora uma fábrica de produção de certo produto deixa de realizar vendas, porque a empresa de manutenção de uma das máquinas falhou. O comprador que iria revender a mercadoria, não a recebe do vendedor e perde o ganho que resultaria da respetiva revenda. O facto lesivo é o incumprimento e esse facto lesivo tem consequências patrimoniais, sendo a ligação entre o incumprimento e a frustração do ganho avaliada à luz de um critério de causalidade (artigo 563 CC). Nestes exemplos, a parte infiel causa a frustração de um ganho específico (o prestador do serviço de manutenção que falhou, o vendedor que não entregou a mercadoria) e fica obrigada a reconstituir a situação que existiria se essa frustração não se tivesse verificado (artigo 562 CC).
3. Ambos os exemplos referidos são casos de perdas de receitas, ou seja, casos em que um ativo deixa de aumentar ou não se adquire, de todo. Contudo, a perda de utilidade também pode alcançar o passivo: pode estar em causa um passivo do qual o lesado não se liberta ou que não diminui tanto quanto poderia.
4. Havendo incumprimento contratual, a reparação em valor implica uma avaliação e quantificação dos ganhos que se deixaram de obter. Esta operação exige, primeiro, que (i) se compreenda o que é e, claro, o que não é lucro cessante e, depois, que (ii) se aprofundem os pressupostos e métodos de determinação do quantum da indemnização devida. A lei portuguesa é pouco detalhada, especificamente quanto a lucros cessantes e, em geral, pouco adianta, em termos práticos, sem algum esforço adicional (já Galvão Telles o dizia sobre o artigo 566/2: “é dalgum modo um turismo”, Direito das Obrigações, 7.ª ed., p. 390). Vejamos.
5. Determina a lei que os lucros cessantes são os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (artigo 564/1 CC) e, salvo casos de exclusão, por convenção das partes, como veremos, ou por determinação legal (vide artigos 899 ou 909 CC), são indemnizáveis. Aprofundando, são vantagens patrimoniais que o lesado não tinha, mas verosimilmente teria, se não fosse o incumprimento. No Código Civil alemão, consta uma norma que clarifica a ideia de verosimilhança: segundo o parágrafo 252 BGB, “o dano a ser indemnizado também compreende os lucros cessantes. Consideram-se lucros cessantes aqueles que no curso normal dos acontecimentos ou em circunstâncias especiais, nomeadamente devido às medidas e precauções tomadas, se poderiam esperar que fossem obtidos com probabilidade”. Antunes Varela propunha já uma ponderação análoga ao explicar que lucros cessantes “[s]ão vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fora o facto lesivo” (Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, I, 4.ª ed., p. 580).
6. Tal como sucede nos danos emergentes, os lucros cessantes indemnizáveis devem ter sido causados pelo incumprimento: isto é, há que os sujeitar a um “filtro normativo” de causalidade (artigos 563 e 798). Na jurisprudência, nota-se que “[c]onstitui lucro cessante, para efeitos de indemnização fundada em responsabilidade civil, a diminuição da faturação de uma empresa, enquanto consequência adequada do facto ilícito” (Ac. TRP 22.2.2022, Fernando Vilares Ferreira).
7. Segundo o princípio da compensação integral (artigo 562 CC) podem, em princípio, ser considerados quaisquer danos materializados após o incumprimento (e causados por este), mesmo que o lesado não tenha tido deles conhecimento imediato. Não obstante, em certos contratos, será necessário conciliar este ponto de partida com as regras acordadas sobre reclamações, se estas limitarem o exercício de direitos, incluindo o direito à indemnização.
8. Se o critério da causalidade estiver preenchido (cf. artigo 563 CC), em princípio, é irrelevante o facto de o lesante, à data do ilícito, não ter previsto esse mesmo lucro cessante (ou mesmo não o ter podido esperar). “Para que um dano seja considerado efeito adequado de certo facto (...) não tem que se tornar previsível para o seu autor” (Ac. STJ 7.4.2005, Lucas Coelho).
9. Se o lucro cessante se revelar mais elevado do que o lesante poderia supor, não parece colher o argumento de que caberia ao lesado um ónus de informar o lesante, à data da contratação, que tinha em vista uma hipótese extraordinária de lucro. O artigo 570 CC não parece exigi-lo.
10. Numa lógica empresarial, celebrar um contrato implica não só determinar tanto o que “se recebe” e “o que se dá”, como as contingências futuras que podem daí resultar. É comum que, em contratos comerciais negociados, as partes acordem regras de exclusão dos lucros cessantes, em si, ou apenas de certos lucros cessantes. Embora coloquem outros problemas à luz do artigo 809 CC, várias destas cláusulas podem ser consideradas admissíveis.
11. Lê-se, por vezes, que o lucro cessante pressupõe a titularidade de uma posição jurídica (diz-se, p. ex., que “[o] lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho”; tanto afirmou Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, 1999, p. 378). Não vemos que assim tenha de ser: há casos em que o lesado não era formalmente titular de uma situação jurídica, mas em que é possível concluir que verosimilmente teria auferido certo ganho, não fosse o incumprimento.
12. Dentro do âmbito do “filtro” da causalidade, os lucros cessantes podem ser presentes ou futuros. São presentes aqueles que se tiverem verificado no momento da determinação da indemnização pelo tribunal, com base na prova produzida durante a instrução; são futuros os que ocorrerão previsivelmente após esse momento. O momento da avaliação é o da “data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal” (artigo 566.º/2 CC). Conjugando os elementos, temos que os lucros cessantes são (i) benefícios que teriam sido adquiridos até essa data e que na mesma são determinados e quantificados ou (ii) benefícios que, ainda que causalmente resultantes do incumprimento, só ocorrerão previsivelmente no futuro (cf. artigo 566/2 CC).
13. A quantificação da indemnização por lucros cessantes atende à diferença entre a situação patrimonial que existiria, não fosse houvesse incumprimento (situação hipotética, portanto), e aquela que resultou do incumprimento (situação real) (cf. artigo 566/2 CC). O ponto de partida é o de que, pelo menos quanto a lucros cessantes presentes, a situação hipotética e a situação real sejam determinadas pelo decisor no presente, isto é, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (também artigo 566/2).
14. O cálculo do quantum de lucros cessantes revela-se, por vezes, complexo e a respetiva prova pode exigir uma perícia para a determinação do seu valor com exatidão (cf., porém, a hipótese do 566/3 CC). O perito terá de calcular valores, partindo de certos pressupostos e assumindo uma determinada metodologia verosímil. Qual o meio para atingir este resultado?
15. Existem vários métodos disponíveis, devendo a opção ser ponderada de acordo com o caso concreto. Se a questão se colocar num procedimento arbitral, o método de determinação pode ser, ele próprio, objeto de discussão com as partes e de decisão pelo Tribunal Arbitral. Vejamos três métodos, entre os possíveis.
16. Num primeiro método, o lucro cessante pode ser calculado reconstituindo-se a situação atual hipotética por referência a um parâmetro contemporâneo, como o lucro de um concorrente ou de vários concorrentes do lesado. Contudo, se o concorrente tiver praticado descontos ou ocorram outras circunstâncias diferenciadoras, a comparação poderá perder semelhança bastante.
17. Um segundo método possível reporta-se ao cálculo por referência ao lucro passado do lesado. Contudo, há que ajustar os pressupostos passados às variáveis relevantes no momento do cálculo do dano. Por exemplo, se a atividade passada tiver se desenrolado em cenário de estabilidade e os lucros perdidos pertencerem a um período de crise económica, cumpre fazer adaptações. Se assim não for podem surgir problemas como assinala a jurisprudência ao referir que “[o] recurso à facturação e ao lucro médio anterior para determinar os lucros cessantes subsequentes assenta, afinal, numa ficção: a de que o volume de negócios, da facturação e dos custos se mantêm inalterados, que a economia não evolui, etc…” (Ac. STJ 11.12.2022, Fernando Bento).
18. Uma terceira hipótese será utilizar uma projeção do próprio lesado (por exemplo, um plano de negócios) para o cálculo das vantagens não auferidas, desde que assente em elementos que lhe confiram verosimilhança. O STJ considerou já que “[a] quantificação dos lucros cessantes em função das receitas projetadas para o período contratual em falta satisfaz os requisitos da probabilidade e da previsibilidade do dano a que se reportam os arts. 563º e 564º, nº 2, do CC” e que “em face da ausência de qualquer outro elemento que determine a redução da indemnização abaixo do valor das receitas projectadas para o período contratual em falta, serão estas a determinar o valor da indemnização, na medida em que traduzem, com a necessária probabilidade e previsibilidade, os danos correspondentes aos lucros cessantes” (Ac. STJ 5.2.2015, Abrantes Geraldes).
19. Na quantificação, outras ponderações podem ser relevantes. Assim, aos benefícios que o lesado verosimilmente teria auferido haverá, em certos casos, que deduzir os custos em que o mesmo (também provavelmente) incorreria.
20. Em certas situações, a conduta do lesado, a qual haja, por exemplo, contribuído para a produção ou para o agravamento dos danos por si sofridos, pode ser motivo de redução da indemnização (cf. artigo 570/ 1 CC).
Parabéns pela brilhante iniciativa.
Iniciativa muito interessante. Uso inteligente de novas tecnologias para divulgação de conhecimento jurídico.